quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A SALIVA E O PODER DO CUSPE


A SALIVA E O PODER DO CUSPE

A saliva é um dos mais versáteis, importantes e complexos fluídos do corpo humano e animal. Ela supre um largo espectro das necessidades fisiológicas e defensivas do organismo. Suas propriedades são essenciais para a lubrificação das cavidades buco-faringo-laringológicas (mastigação, deglutição, beijo, sexo, fala e começo da digestão) Além de umedecer todos os tecidos moles e duros da cavidade bucal, a saliva tem funções de destaque no controle das quantidades de água no organismo. Quando a boca fica seca, há manifestação de sede e o corpo necessitando de água. Em condições normais o organismo humano produz de 1 a 2 litros de saliva por dia. A saliva reduz a acidez bucal , previne das cáries e de outras lesões e enfermidades bucais. Muitos grupos sociais primitivos e indígenas, por não terem hábitos perniciosos como o consumo excessivo de açúcar, de álcool , de fumo e de medicamentos, têm uma saliva de melhor qualidade e menor acidez e conseqüentemente menos cáries, menos problemas periodontais e menos problemas gastrointestinais e disfuncionais da deglutição e digestão. A saliva contém uma enzima chamada lisozima (a mesma encontrada nas lágrimas), dotada de poder bactericida e cicatrizante. Os animais quando feridos, lambem suas feridas e, graças a esta lisozima, o processo de cicatrização é acelerado.
Todas as alterações sistêmicas, orgânicas e hormonais presentes no sangue (diabetes, colesterol, ácido úrico, etc.), estão também na saliva e num futuro próximo, vários exames de sangue à procura destas alterações serão substituídos por exames de saliva, conforme pesquisas já avançadas nos EUAs
O cuspe é símbolo de criatividade e também de destruição. Jesus curou um cego com sua saliva (João, 9:6). A saliva é considerada uma secreção com poderes mágicos ou sobrenaturais que cura ou corrompe, que une ou dissolve, que adula ou insulta (Cf. Dictionnaire des symboles, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Paris: Robert Laffont / Jupiter, 1982, s.v.). Segundo Ernout e Meillet, no seu Dictionnaire étymologique de la langue latine (Paris: Klincksieck, 1967 s.v. spuo), o cuspe, na crença popular, tinha um valor apotropaico, um valor que afugenta os males, daí o sentido físico e moral de despuo (afastar um mal, cuspindo).
Na década de 40 andou pelo agreste e zona da mata de Pernambuco um cidadão que se dizia médico e que aplicava injeções de saliva para curar determinadas doenças. A saliva tinha que ser de uma criança. Já na feitiçaria, a saliva tem o poder de matar, na medicina popular vamos encontrar a saliva para combater o mau olhado, ao sentir as pernas dormentes, fazia-se uma cruz com cuspe na sola dos pés, para que a orelha furada não inflamasse, aplicava-se a saliva em jejum sobre o furo. A saliva não deve ficar exposta, mas coberta com areia ou esmagada com os pés para que o diabo não se apodere dela, hábito muito nordestino na zona rural. Entre os antigos escravos, O segredo que cercava as secreções corporais nasceu do temor de que um inimigo pudesse apossar-se de algo que se derivasse do corpo e empregar aquilo negativamente em uma magia, toda excreção do corpo era, cuidadosamente enterrada. Abstinha-se de cuspir em público em vista do medo de que a saliva pudesse ser usada na magia deletéria, o cuspe era sempre coberto.
Partindo para as terras bantos, observamos que a saliva tem um valor simbólico de muita importância, nos padres-oficiantes, no adivinhador, no feiticeiro, no mágico, no chefe, resumindo tudo isso, é um estatuto à vista da sociedade que dão a benção ou a maldição com cuspe, é um fetiche poderoso; os espíritos ruins poderiam ser retirados se cuspisse em uma pessoa. Se um ancião ou superior cuspisse em alguém era o mais alto cumprimento.
Entre os Bakitaras, os pais de gêmeos ficam afastados (sem relações sexuais) por dois anos, este período de drenagem, tornam-o possuidores de uma benção particular, às pessoas próximas, eles cuspem na mão e esfregam as testas destas pessoas com esta saliva para proporcionar felicidades.
Entre os Ruandeses, existe um processo de adivinhação utilizando pintos jovens (kuraguza inkoko) O adivinhador pede ao cliente para cuspir sua saliva no interior do bico de uma galinha, se o cliente não for capaz de estar lá pessoalmente, o adivinhador introduz a saliva do cliente (imbuto) trouxe com ele em um pequeno jarro de saliva (akagen za). recitando a fórmula na orelha de do pinto perguntando da resposta.
Entre os Cabindas existe o rito Tambuziana - O fazer as pazes entre pessoas desavindas, comendo-se ou, o mais comum, bebendo-se da mesma garrafa ou da mesma cabaça (o «receber a saliva um do outro» ... ) Na dia do casamento, em alguns clãs, também existe uma cerimônia a que se dá este mesmo nome de Tambuziana itata. Consiste em a esposa comer do mesmo prato do marido (a comida que o marido lhe deixa) e sem mostrar repugnância nisso, Se a demonstrasse interpretar-se-ia por falta de amor ao marido.( Cabindas, História, Crenças, Usos e Costumes, 1972 - MARTINS, Pe. Joaquim)
Entre os Congoleses os suspeitos de algum desafeto são guiados ao adivinhador que reivindica uma soma em dinheiro e um galo. Cada um deles cuspe depois na palma da mão do adivinhador e este põe a mão dele um uma panela divinatória que contém óleo, ele cuspe por toda parte agita o óleo e invova os poderes tutelares dele
Os Lulua abençoam os recém-nascidos cuspindo saliva na cabeça dele, e entre eles é bem difundido o ritual de cuspir saliva no chão em ordem a abençoar uma sobrinha para prosperar ou recuperar uma doença séria, cuspem-se também nas pernas das crianças para ajuda-la a andar (Hermann Hochegger – A importância ritual do pai – Cap I)
Entre os Tsongas há sacrifícios nos quais só existe a saliva como objeto ofertório. Mesmo quando há imolação e o oferecimento de uma vítima e da cerveja, a saliva é indispensável e insubstituível. A saliva para eles personaliza a matéria impessoal como a cerveja ou a vítima(...) A saliva constitui a matéria básica do sacrifício em muitas sociedades moçambicanas. O beijo é considerado repugnante, pois há contato com a saliva de outra pessoa. (Irene dias de Oliveira – Identidade negada e o rosto desfigurado do povo africano – Os Tsongas)
Entre os Benga, formulam o rito “Tuwaka” = Cuspir, palavra que também significa abençoar – para pronunciar esta benção expulsa violentamente a respiração à mão ou à cabeça da pessoa a ser santificada de uma maneira tão próxima que a saliva tem que expirrar sobre os mesmos; parentes ao se ausentarem por algum tempo em uma cerimônia elaborada, para se despedir, cuspem-se nas faces e cabeças um ao outro e também apanham lâminas de grama, cuspem nelas e os aderem sobre a cabeça da pessoa amada. A saliva também age como um tipo de tabu entre eles. Quando não querem uma coisa tocada, eles cuspem em palhas e os aderem em toda parte do objeto (Fetichism in West áfrica - Rev. RobertHamill Nassau)
No gabão para se implorar sobre uma deficiência, cuspe-se na pessoa depois de ter mastigado os talos de mokosa, suco acídulo da terra, para abençoar uma noiva, os que assistem cuspem o suco da mokosa em sua cabeça, para abençoar as suas crianças, a pessoa cuspe na cabeça ou na palma das duas mãos destes enquanto dizendo “Paz e saúde boa”
Entre os Lubas de Zaire juram juridicamente pelo cuspe. O gesto para cuspir acompanha o juramento com a verdade, a sinceridade e a pureza daquele que o diz ou da pessoa que o faz. O gesto para cuspir é então um símbolo da verdade, a franqueza e a sinceridade / pureza.
Entre os Kubas, E. Torday etnologista húngaro nas terras africana, visitou este grupo étnico em 1910: e observou que: "Se o Nyimi (chefe supremo) espirrar, todas as pessoas presente têm que executar três batidas de palmas enquanto diminuindo por força; se ele cuspe, o homem que é o mais íntimo a ele, colecionará as expectorações e os envolverá com grande cuidado em um linho. "Notem então que o cuspe é bem um produto ritual poderoso, quase" sobrenatural. A impressão é que o mânes (almas desincorporadas) dos antepassados confere ao cuspe todo o poder ritual. O cuspe está como um produto sagrado: sua força está devido à certeza da existência dos antepassados, para a onipresença deles na vida coletiva do sustento.
Este gesto ritual de cuspir se agrega aos camdomblés, quando borrifamos bebidas em algumas ocasiões e em especial quando mascamos a noz divina e levamos sobre as cabeças num gesto tão divinal que nos faz rever dos conceitos que não devemos cuspir pro alto nem ao menos no prato que comemos.


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Fiquem em paz


Jitu Mungongo